sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Sr. Quirino




Tarde de quinta-feira, clima agradável, cidade cheia. Cheguei com meu violão e entrei no Café da FNAC. O técnico do som não havia chegado ainda, então sentei pra esperar um pouco. Observei o movimento, vi as pessoas namorarem tablets e afins na seção ao lado. Metade das mesas estava ocupada; algumas com pessoas sozinhas, mexendo em seus computadores, outras com pessoas em reunião. Cheesecakes e tortas roubando a atenção no balcão. Olhava o relógio e o tempo não passava: chegara cedo demais. 


Pouco tempo depois olhei para o lado e vi uma figura levemente conhecida. Um brevíssimo exercício mental e a resposta me veio: “Ah! É ele”. Já o tinha visto naquele mesmo lugar, algumas semanas antes, na apresentação do meu conterrâneo cantautor, César Lacerda. Não pude conter o sorriso. Aliás, foi uma gargalhada tímida e silenciosa – mas não falei nada. Esperei pra ver se era o que eu pensava que seria. Cinco da tarde, o Sr. estava em um grupo de umas cinco pessoas, conversando e rindo. Segurava algo nas mãos. Olhei, conferi de novo pra ver se era ele mesmo, mas a presença de sua pequenina esposa me trouxe a confirmação definitiva. Lembrei dela também. Marcaram dois lugares na primeira fila e voltaram para o cantinho perto da janela, onde estavam com os amigos. Eu olhava de lado pra ver o que estavam fazendo, curiosa pra saber se eu também entraria para sua lista preciosa. Não demorou muito. Quando chegou perto e me disse “oi”, eu já imaginei, pois o César compartilhou comigo sua experiência, anteriormente. E comigo foi mais ou menos assim:


- Olá, tudo bem? (disse ele)

- Tudo ótimo! E você?

- Tudo bem. Estava aqui do lado tentando tomar coragem para falar com você.

- Hahaha! Que bobagem! Pode dizer! 

- Aquela senhora é a sua mãe, não é?

- É a minha mãe, sim!

- Imaginei... Então, eu sou um colecionador de autógrafos! O primeiro que eu peguei já faz mais de 50 anos.

- É mesmo??? Nossa, que legal!

- É.. E eu guardo tudo em pastas. Tenho a pasta do teatro, a pasta da TV, a pasta da música. Mas não misturo com o fado. Tenho uma pasta só de fadistas.

- É essa pasta que o Sr. está segurando?

- Ah, nããão... Minhas pastas são enormes! Não é essa não.



E aí vem a parte mais legal. Eis que chega em minhas mãos uma folha com meu nome escrito no topo. Abaixo, uma foto minha colada num papel cartão azul (tipo uma moldura), colocada logo abaixo do nome. 


- Nossa, mas que chique! É a minha foto! E três vezes, ainda!

- É porque essa foi a única foto que eu consegui. Aí repeti três vezes pra ficar maior. Mas coloquei nesse cartão porque se eu achar outra mais legal posso trocar depois.

- Ah, sim..

- Você é brasileira, não é?

- Sim, eu sou brasileira! De Belo Horizonte!

- Está bem.. Não coloquei porque não sabia, mas depois vou colar uma bandeirinha do Brasil aqui no canto. 


Quanto capricho! Que situação mais inusitada! Você sai de Belo Horizonte City pra cantar em Lisboa e o nobre português descobre sua existência e quer guardar sua marquinha em meio a tantos artistas. Como não se sentir honrado? Como não se sentir feliz pelos caminhos que a vida traz, muda, leva? Escrevi um recado e assinei. Enquanto eu escrevia ele disse “Mas esse é o maior autógrafo que eu ganhei em todos esses anos! Com certeza!”. Aí fiquei mais feliz, o meu já era especial. (:


Pedi pra tirar uma foto e ele disse que era a primeira vez que tirava foto com algum dos artistas com quem conversara. Depois de ver a foto ele falou que provavelmente era a melhor foto dele que tinha. 


O show começou e lá estavam eles, na primeira fila. Alguns dos meus novos e queridos amigos também estiveram presentes e até me deram flores. Um pocket show na loja de entretenimento com gostinho de teatro cheio. Com certeza a grandeza de um momento está na sua qualidade, nos detalhes; não no tamanho ou duração. 


Pensei na minha coleção de autógrafos, ou seja, minha coleção de momentos. Pensei nas pessoas que a vida já me deu de presente. Quantas figuras! Quantas pessoas queridas, quantas assinaturas especiais no meu coração, quantas bandeirinhas diferentes coladas no meu álbum imaginário, na realidade da minha vida. Agradeci por essas delicadezas que aparecem no meu caminho. Quero as assinaturas, as bandeiras, as fotos, os momentos.  Fiz votos secretos de preencher minhas pastas até suas capas estragarem de tão cheias. 



sexta-feira, 4 de julho de 2014

A sua vida não é só sua.



Ontem, após a tragédia da queda do viaduto em Belo Horizonte, uma amiga (Sabrina Souza) postou a seguinte frase no facebook: “Amigos da Engenharia que colam em provas de cálculo: repensem”. A frase me lembrou algumas reflexões que eu já fiz e trouxe outros tantos pensamentos a essa minha cabeça inquieta. 


Primeiramente digo que fiquei completamente triste e assustada com o que aconteceu. Essas obras custam valores exorbitantes, pagos com o suor de cada um que acorda às 6 da manhã e sai de casa pra desempenhar o seu papel. A maior parte dessa gente recebe o suficiente pra sobreviver, come o básico, se vira como pode, se diverte como dá. A carga de impostos sobre o brasileiro é gigantesca, perto do MÍNIMO RETORNO que recebe.


Segundo ainda o IBPT, entre os 30 países com cargas tributárias mais altas, o Brasil é o que menos devolve em serviços e investimentos à sociedade. Além de trabalhar cinco meses no ano só para pagar impostos, o brasileiro precisa dedicar a renda de outros quatro meses para suprir a lacuna deixada pelos maus serviços prestados pelo Estado.”(ver texto completo aqui)


Isso é vergonhoso, é desanimador. E o nosso prezado Prefeito vem com essa de que “ACIDENTES ACONTECEM”? Tanto dinheiro que a população dá, para o governo fazer obras porcas, para dar lucro às empresas de transporte, para não ter saúde, não ter educação? Pra ver gente vivendo em condições vergonhosas, pra ver gente morrendo na fila do hospital, vítimas da violência dos bandidos e do Estado? DÁ DESÂNIMO. O Brasil tem muitas coisas maravilhosas, mas estamos cansados de tanta sujeira. E ISSO NÃO É CULPA DE PARTIDO NENHUM! Não me venham com essa ladainha nojenta! Se tem mensalão, tem mensalão tucano também! O que eu sempre digo: quer achar culpado, volte lá na colonização. O erro está NA PRIMEIRA PISADA EUROPEIA na terra do pau-brasil.  Já começou tudo errado. A forma como sempre houve abusos, sempre houve corrupção. 

A solução é uma revolução na educação. Mas não apenas aquela educação da escola, a educação em casa. O pulso firme, a criação. Somos todos culpados. Quando começarmos a fortalecer o caráter (deixando de praticar todas essas “pequenas” corrupções do dia-dia), quando começarmos a ler, estudar e participar DE FATO da vida política do país, além de parar de compartilhar ideias no facebook sem o mínimo de apuração e questionamento, a coisa começa a melhorar. 


Mas o que me despertou vontade de escrever foi outra coisa. Voltando à frase da Sabrina, fiquei pensando nisso. O viaduto não caiu depois de uma tempestade, nem depois de um terremoto. Ainda não fizeram a perícia, mas acho difícil não ser erro humano. É claro que todo ser humano é falho. Eu erro todo santo dia, todo mundo erra. Mas há uma coisa que também acontece com muita frequência, que está ali coladinho ao erro, mas é muito diferente dele: o DESCASO. 


Quantas pessoas levam uma faculdade com a barriga só pelo título e depois se tornam profissionais fracos? Quantas pessoas morreram em episódios à la Palace II, por pura negligência? Quantas pessoas sofrem com atendimentos médicos mal feitos, por advogados sem conhecimento suficiente? Quantas pessoas sofrem por causa de acidentes de trânsito causados por quem não sabe dirigir ou dirige embriagado? Vivemos em sociedade, estamos conectados em uma grande rede. Nossas vidas se afetam todo o tempo. Nós e nossa história somos resultados das histórias de todos os outros.   


Certa vez escrevi uma música que começava falando disso: “É assustador pensar sobre as escolhas que eu fiz desde criança. Como elas construíram um caminho, as pequenas escolhas que me levaram até você em um dia de chuva” (tradução do inglês). Se pararmos pra pensar sobre isso, ficamos loucos! O menor dos detalhes, cada grauzinho que mudamos na direção traz uma mudança enorme no futuro. E é assim que conhecemos pessoas, lugares, que realizamos as coisas. É assim que as perspectivas mudam, que somos mudados, que mudamos os outros. Tudo por causa da rede.


O descaso é, para mim, filho do egoísmo. É pensar que o que você faz é mais importante, que as consequências não importam tanto quanto o seu próprio bem-estar, mesmo que isso cause algo ruim na vida de outros. O descaso do viaduto é o mesmo do transporte, é o mesmo da habitação, é o mesmo da exploração de trabalhadores, é o mesmo das histórias de amor que deixam homens e mulheres com o coração partido. A fonte é a mesma. É a inversão de prioridades trazida pelo egoísmo, pelo interesse particular feito superior a todo custo. 


Devemos buscar fortalecer nosso caráter a cada dia, olhar mais para o outro. Não estou dizendo de forma alguma que devemos viver em função de outras pessoas, apenas estou destacando que o individualismo (notavelmente crescente a cada dia) pode trazer consequências em todas as áreas. As vidas perdidas não voltarão. Que as famílias sejam confortadas. Que a justiça seja feita.


Pensemos no legado que estamos deixando. Deixo aqui uma reflexão para você que está lendo e para mim mesma: quando for estudar, quando dirigir, ao se relacionar fraternalmente e romanticamente e, não menos importante, quando praticar sua profissão ou estiver em uma posição de poder, pense: A SUA VIDA NÃO É SÓ SUA.